A origem dos alimentos consumidos no dia a dia virou uma preocupação mais comum durante a pandemia de Covid-19, essa é a leitura comum entre os que comercializam produtos agroecológicos e aqueles que os consomem. Eles atribuem o aumento do interesse nesses alimentos, sobretudo, a um maior foco na promoção da saúde.
Segundo o coordenador da Rede Raízes do Brasil na Bahia, Anderson Amaro, os clientes que chegaram durante a pandemia querem uma alimentação mais saudável. “O agroecológico busca aproveitar os defensivos que a própria natureza oferece, gerando equilíbrio ecológico para que essa planta não necessite de, digamos assim, intervenção externa”, explica Amaro.
De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, os alimentos de base agroecológica são oriundos de sistemas que promovem o uso sustentável dos recursos naturais, com produção livre de contaminantes, além de proteger a biodiversidade, contribuir para a desconcentração das terras e respeitar formas de produção tradicionais.
Amaro acredita que a atração de novos públicos também é resultado da sensibilização, por parte de alguns segmentos sociais, para apoio a economias locais. “Se você não viabilizar os pequenos produtores, que produzem cerca de 70% da alimentação do brasileiro, segundo o IBGE, eles vão quebrar. Então vai começar a faltar alimentos, gerando inflação nos preços e, consequentemente, fome”, avalia.
Antes das restrições, a Rede, que atua na Bahia desde o ano passado, vendia os produtos em feiras periódicas e pontos de revenda, mas já organizava uma plataforma para venda online. A Covid-19 acelerou esse processo e logo começaram a trabalhar com o sistema de encomendas e entrega em casa, o que ocorre quinzenalmente.
Com um formato diferente de venda pela internet, a Feira da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) também ocorre duas vezes por mês, como explica Francisco Brito, um dos coordenadores. Nos períodos determinados, agricultores de assentamentos localizados em Mata de São João, São Sebastião do Passé e Dias D’Ávila enviam a relação de produtos, que são enviadas por e-mail para os clientes cadastrados, então os interessados fazem suas listas de encomenda e retiram na Uneb no dia definido.
Francisco conta que na primeira feira virtual tiveram um recorde de 41 encomendas, com a chegada de novos clientes e também aumento de produtos pedidos, mas depois estabilizaram com demanda entre 33 e 35 encomendas, que é o limite atual de atendimento. Ele recorda que os agricultores tiveram dificuldade de adaptação no primeiro momento, mas agora a relação de produtos aumenta a cada edição.
Na casa da terapeuta e doula Sayô Adinkra, 40 anos, os produtos são entregues semanalmente. Ela já consumia alimentos agroecológicos antes da pandemia, mas acredita que aumentou o foco e passou a contar com maior acesso. “Antes precisava me deslocar entre várias feiras para achar tudo que eu queria e nem sempre conseguia essa logística favorável”, recorda.
Com o fim das feiras, a terapeuta também fez sua própria composteira e iniciou pequenos plantios em casa, mas a produção é recente. “Todo meu hortifruti, assim como feijão, óleo de coco, café, ovos, farinha de mandioca, flocos de milho, entre outros alimentos, vem da agricultura familiar e agroecológica e isso também inclui os quintais e territórios urbanos”, explica.
Sayô ressalta que não dissocia o alimento da “luta dos povos, da luta pela terra, da luta contra várias pandemias, inclusive a dos agrotóxicos, a luta pelo entendimento que estamos também morrendo envenenados”.
Para a professora Lídia Barreto da Silva, 45, a principal mudança trazida pela pandemia foi na quantidade de alimentos agroecológicos adquiridos. Antes, ela almoçava em restaurantes entre segunda e sexta-feira, no intervalo do expediente, mas agora sua jornada de trabalho é cumprida em casa.
Lídia conta com a ajuda do filho adolescente no preparo das refeições e diz que com o tempo foi desenvolvendo estratégias para aumentar a praticidade desse cotidiano. Ela acredita que após a pandemia, irá ser mais adepta da marmita preparada em casa em substituição ao almoço em restaurantes.
Compras da agricultura familiar são suspensas
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) determina, desde 2009, que 30% do valor repassado deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. No entanto, com a suspensão das aulas presenciais nas redes pública municipal e estadual e a adoção de outros modelos para fornecimento de alimentos, os contratos de fornecimento tiveram de ser suspensos.
Em Salvador, que optou pela distribuição de cestas básicas, a coordenadora de Alimentação Escolar da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Emília Coelho, aponta questões logísticas como impedimento de manter as compras via agricultura familiar. “Se você comprar de vários fornecedores, tem que fazer a montagem das cestas, fora a questão da embalagem. O leite, por exemplo, na cesta colocamos 400 gramas e a nossa embalagem de contrato é de um quilo”, detalha.
Emília informa que iogurte e polpa de fruta estão entre os principais itens adquiridos de agricultores familiares no município, mas a lista inclui também leite, achocolatado, farinha, arroz, entre outros produtos. Ela afirma que o quantitativo previsto nos contratos que foram suspensos será comprado quando as aulas presenciais forem retomadas.
O município inicia hoje a entrega da quinta remessa das cestas básicas aos alunos matriculados na rede municipal, seguindo um cronograma que pode ser consultado no site da Smed. Emília destaca que cerca de 160 mil alunos da rede própria, além de instituições conveniadas e do projeto Pé na Escola (com crianças em idade pré-escolar) têm sido atendidos mensalmente.
Na rede estadual, o Pnae foi suspenso durante a pandemia, diz o superintendente de Planejamento da Rede Operacional da Rede Escolar da Secretaria de Educação do Estado, Manoel Calazans. Ele explica que o valor repassado pelo programa, de 36 centavos/dia, é muito inferior ao investimento necessário para manter o auxílio alimentação de R$ 55,00/mês que tem sido fornecido pelo Estado.
“A gente tem em curso uma chamada pública para o retorno das aulas”, afirma Calazans a respeito das aquisições de agricultura familiar, ressaltando que está previsto um investimento de R$ 20 milhões. Segundo o superintendente, os contratos prévios serão retomados após a retomada das aulas, com foco no reforço da merenda para o cronograma de reposição da carga horária, queincluirá finais de semana.
Circuitos alimentares curtos ganham destaque
Professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora de segurança alimentar e nutricional, Sandra Chaves aponta que antes da pandemia já era possível identificar um aumento das feiras agroecológicas em Salvador. Ela acrescenta que a oferta desses produtos, assim como de orgânicos, também estava em crescimento em supermercados.
“A pandemia vai mostrando a importância de um alimento mais saudável e que você conheça mais a origem desse alimento”, considera Sandra. Ela acrescenta que a pandemia também aumentou o foco nos sistemas alimentares curtos, nos quais a produção do alimento está geograficamente mais próxima do seu consumidor, oferecendo mais garantias quanto ao manejo e transporte.
“Associa os circuitos curtos com a questão da qualidade agroecológica, essa interação com o ambiente, a ideia de uma produção mais sustentável, gerando um alimento mais saudável. São valores que estavam crescendo na sociedade e que agora estão muito presentes no debate da segurança alimentar e nutricional no período da pandemia e do que virá depois”, analisa a pesquisadora.
Sandra lembra que a pandemia também provocou uma ruptura nos sistemas tradicionais de comercialização de alimentos, resultando na criação das plataformas de entrega em domicílio para o consumidor direto. “Não sei dimensionar o quanto essas novas modalidades preencheram (o mercado anterior). De certo, não preencheram para todos ou para tudo, acho que a gente está construindo caminhos”, conclui.
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