sexta-feira, 3 de julho de 2015

Mieloma Múltiplo

O Mieloma Múltiplo é uma doença hematológica maligna, incurável, mas tratável, com origem na medula óssea e que se caracteriza pela proliferação excessiva de plasmócitos malignos. Os plasmócitos produzem níveis elevados de anticorpos, proteína M, comprometendo o normal funcionamento da medula óssea e danificando principalmente o osso e rim.
História Natural do Mieloma Múltiplo
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A medula óssea
A medula óssea é um tecido mole, semelhante a uma esponja, que se encontra no interior da maioria dos ossos. Compõe-se essencialmente por dois tipos de células: as células do estroma, que mantêm a estrutura da medula óssea, e as células estaminais.
As células estaminais são células indiferenciadas, o que significa que ainda não atingiram a sua forma celular permanente. Deste modo, ainda não desempenham a sua função celular definitiva. Todas as células sanguíneas têm origem a partir destas células estaminais:
  • Glóbulos vermelhos, os transportadores de oxigénio;
  • Glóbulos brancos, parte integrante do nosso sistema imunitário;
  • Plaquetas, com funções na coagulação do sangue e cicatrização de feridas.
O papel mais importante da medula óssea é a produção de novas células sanguíneas.
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O nosso sistema imunitário
O sistema imunitário é composto por diferentes tipos de células que trabalham em conjunto de forma a combater infecções. As células destinadas a tornarem-se células imunitárias surgem na medula óssea e desenvolvem-se a partir das células estaminais.
Algumas células estaminais diferenciam-se em pequenos glóbulos brancos, designados linfócitos. As duas classes mais importantes de linfócitos são as células B (linfócitos B) e as células T (linfócitos T).
Quando as células B respondem a uma infecção, estas sofrem maturação e tornam-se plasmócitos. Os plasmócitos existem essencialmente na medula óssea. A função dos plasmócitos é produzir e libertar proteínas designadas anticorpos ou imunoglobulinas, que combatem e ajudam a eliminar os agentes causadores de infecção, como as bactérias ou os vírus.
O plasmócito é uma célula totalmente diferenciada que desempenha uma função específica: a produção de anticorpos proteicos para combater infecções. Cada plasmócito liberta apenas um anticorpo, cuja composição é herdada pelos seus descendentes. Isto significa que todas as cópias (clones) do mesmo plasmócito libertam exactamente o mesmo anticorpo que os seus “antecedentes”. É por esta razão que o anticorpo proteico é designado por proteína monoclonal ou proteína M.
O mieloma múltiplo tem origem num único plasmócito maligno que se divide por forma a fazer múltiplas cópias de si mesmo. Por sua vez, estas novas células dividem-se repetidamente, surgindo progressivamente um número maior de plasmócitos malignos. Ao longo do tempo, e à medida que o cancro se desenvolve, os plasmócitos tornam-se detectáveis no sangue e podem disseminar-se para múltiplos locais do organismo, daí o nome mieloma múltiplo.
Quando os plasmócitos se multiplicam de forma descontrolada podem originar um tumor. Estes tumores surgem geralmente na medula óssea, mas podem também ser detectados no osso ou em outros órgãos.

Epidemiologia do  mieloma múltiplo

  • Representa 1% de todas as neoplasias.
  • 10 a 15% das doenças hemato-oncológicas, sendo a segunda de maior prevalência logo a seguir ao linfoma não-Hodgkin.
  •  A idade média ao diagnóstico situa-se entre os 65 e os 70 anos. Contudo, a incidência da doença em indivíduos mais novos está a aumentar e, consequentemente, a idade média de diagnóstico está a diminuir. 3% dos doentes com mieloma múltiplo tem menos de 40 anos na altura de diagnóstico, 10% menos de 50 anos e 35% menos de 65 anos.
  • Afecta ligeiramente mais homens que mulheres e existe uma incidência superior nos grupos étnicos Afro-Americano quando comparando com os Caucasianos.
  • A incidência do mieloma múltiplo aumenta com a idade:
    • <65 anos: 2.0 a 2.5 em 100,000.
    • >65 anos: 2.5 a 3.0 em 100,000.


Quais os sintomas de mieloma múltiplo?

Numa fase inicial da doença, podem surgir poucos sintomas, geralmente não específicos, ou mesmo ausência destes, o que dificulta em muito o diagnóstico. Noutros casos pode causar sintomas vagos e inespecíficos que a princípio podem parecer dever-se a outras patologias. Por vezes o diagnóstico surge inesperadamente, em análises de rotina ao sangue, realizadas por outras razões clínicas.
Sintomas e Sinais gerais
  • Anemia
  • Fadiga
  • Infecções
  • Hemorragia fácil
  • Hematomas
  • Problemas Renais
  • Dor Óssea
  • Osteoporose
  • Fracturas ósseas espontâneas
  • Hipercalcémia
Os principais sintomas são causados pelo crescimento tumoral na medula óssea, inflamação local e produção excessiva de anticorpos.
  • Supressão da função da medula óssea:
    Quando os plasmócitos malignos invadem a medula óssea, diminuem o espaço destinado aos glóbulos vermelhos, plaquetas e glóbulos brancos saudáveis. Esta condição pode causar anemia ou hemorragia fácil, ou tornar o indivíduo mais vulnerável a infecções.
  • Acumulação de proteína M:
    Os plasmócitos malignos produzem um anticorpo proteico, designado por proteína monoclonal ou proteína M. Contudo, o antigénio original (ex. Bactéria ou vírus) que desencadeou a activação inicial do plasmócito, pode já ter desaparecido há muito. Isto torna a proteína M libertada pelos plasmóciotos malignos desnecessária e inútil. No entanto, estes anticorpos proteicos acumulam-se na medula óssea sendo responsáveis pelas várias manifestações e sintomas.
  • Distúrbio dos normais processos de remodelação do osso:
    No mieloma múltiplo ocorre, de um modo geral, um anormal balanço entre destruição óssea e a sua reparação. O Mieloma múltiplo caracteriza-se frequentemente por osteoporose/osteopenia difusa com enfraquecimento ósseo, habitualmente na pélvis, coluna vertebral, costelas e crânio. A osteoporose/osteopenia pode provocar dor óssea e fracturas ósseas espontâneas, ditas patológicas. Da anormal destruição óssea resulta hipercalcémia que se manifesta por: sede, náuseas, vómitos, desorientação e obstipação.

Como se diagnostica mieloma múltiplo?

Como referido anteriormente, o Mieloma múltiplo é muitas vezes diagnosticado no decorrer de análises sanguíneas de rotina. A maioria dos sintomas são vagos e podem ser atribuídos a uma grande variedade de doenças. Estão contudo, estabelecidos três testes para confirmação do pressuposto de que um doente sofre de mieloma múltiplo:
  • Doseamento de proteína M:
    Os plasmócitos malignos produzem uma proteína anómala designada proteína M. Esta pode ser avaliada e doseada a partir de amostras de sangue ou de urina. O valor de proteína M é um indicador de actividade da doença permitindo ainda avaliar a resposta à terapêutica. Por esta razão, os doseamentos de proteína M são regularmente efectuados.
  • Técnicas imagiológicas:
    Uma vez que mieloma múltiplo diminui a densidade óssea, causando fracturas, um dos primeiros exames a efectuar é o estudo radiológico do esqueleto, (Rx). Por vezes, é necessária uma imagem óssea mais nítida, sendo usado TAC ou RMN para maior detalhe. Mais recentemente, em alguns hospitais, poderá ser efectuado um PET scan.
  • Biópsia óssea:
    A biópsia óssea envolve a punção do osso (habitualmente o osso ilíaco da anca), por meio de uma agulha, para extracção de uma pequena porção de medula óssea. A amostra é de seguida, examinada ao microscópio. A contagem da percentagem de plasmócitos permite ter uma ideia do grau de infiltração tumoral presente na medula óssea. Habitualmente a medula óssea possui menos de 5% de plasmócitos. Contudo, no caso de doentes com mieloma múltiplo poderá ter entre 10 a 90% de plasmócitos malignos.

Tratamentos

O mieloma múltiplo raramente é curável, mas é tratável. O objectivo do tratamento é o controlo da doença, visando a remissão completa, de modo a melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevivência.
Uma vez que este pode surgir de forma progressiva e indolentemente, alguns doentes são inicialmente assintomáticos, não necessitando de qualquer terapêutica. Estes doentes serão, contudo, monitorizados pelo seu médico através de análises sanguíneas e urinárias regulares. Nestes casos, o tratamento iniciar-se-á caso haja progressão ou ocorram sintomas.
Infelizmente, não existem tratamentos sem efeitos secundários. Contudo, na maioria das vezes, os efeitos secundários são controláveis sendo os benefícios da terapêutica claros.
O tratamento de mieloma múltiplo manteve-se inalterado durante décadas desde a introdução da quimioterapia convencional. Surgiram, entretanto, novas estratégias terapêuticas anti-mieloma baseadas em novos dados científicos sobre processos moleculares e biológicos. Concomitantemente, melhoraram as medidas de suporte permitindo uma maior tolerância aos fármacos e seus efeitos secundários, originando uma melhor qualidade de vida, prolongando os períodos livres de doença.
  • Quimioterapia convencional
    A quimioterapia visa tratar a doença destruindo as células cancerígenas. Estes fármacos, ditos citotóxicos, podem ser administrados por via oral, sob a forma de comprimidos, ou por via endovenosa, através de punção de uma veia ou mediante a colocação de um catéter venoso central.
Vantagens
A quimioterapia é eficaz, na maioria dos doentes, ao destruir as células tumorais, contribuindo para a melhoria dos sintomas e do bem estar geral. Na maioria dos casos é de fácil administração e em alguns casos pode ser administrada no domicílio.
Desvantagens
A quimioterapia actua não só nas células tumorais mas, também, nas células saudáveis. Regra geral, a quimioterapia tem como alvo preferencial as células que se encontram em divisão rápida, como as células tumorais ou as células que revestem o tracto digestivo. Isto poderá conduzir a efeitos secundários indesejáveis, como náuseas e vómitos.
Ao fim de um período de tempo variável pode ocorrer uma perda de eficácia pois, as células tumorais poderão tornar-se resistentes à quimioterapia convencional.
  • Quimioterapia de alta dose com transplante de células estaminais
    Esta terapêutica envolve a administração de elevadas doses de quimioterapia por forma a destruir todas as células tumorais de mieloma múltiplo, bem como a medula óssea saudável (terapêutica mielo-ablativa). A medula óssea é depois completamente reconstruída através de transfusão de células estaminais, do próprio doente ou de um dador.
    A quimioterapia de alta dose seguida de transplantação de medula óssea é o tratamento de referência nos doentes com menos de 65 anos de idade e sem co-morbilidades.
    O desenvolvimento de novos fármacos, e de melhores medidas de suporte terapêutico, tornaram a transplantação de células estaminais acessível a um número cada vez maior de doentes.
Vantagens
A transplantação de células estaminais autóloga (quando a transfusão é feita com as células estaminais do próprio doente) melhora as taxas de resposta e de sobrevivência.
Desvantagens
As elevadas doses de quimioterapia envolvidas no condicionamento pré-transplante conduzem a efeitos secundários graves, pelo que doentes com co-morbilidades não são candidatos a esta abordagem terapêutica. O transplante autólogo de células estaminais não conduz à cura, ocorrendo invariavelmente recaída ao fim de um período de tempo variável.

Alteração da qualidade de vida

Se lhe foi diagnosticado mieloma múltiplo necessitará, quase certamente, de iniciar tratamento. No caso de doença não activa será apenas seguido regularmente em consulta, mantendo-se em monitorização clinico-analítica e não sendo submetido de imediato a qualquer tratamento.
A estratégia terapêutica escolhida depende do estadio da doença, do seu estado geral de saúde e das suas preferências pessoais.
Mas, independentemente do tratamento ser iniciado ou não, o mieloma múltiplo é uma doença maligna que, por si só, causa sintomas secundários. Estes sintomas podem ser potenciados pelos efeitos adversos da terapêutica.
Anemia e Fadiga 
A anemia, ou diminuição do número de glóbulos vermelhos, pode ser provocada pela própria doença uma vez que os plasmócitos malignos suprimem o normal funcionamento da medula óssea, bem como a formação de novos glóbulos vermelhos a partir de células estaminais.
A quimioterapia e radioterapia têm também um efeito destrutivo sobre as células que se encontram em divisão acelerada, afectando quer células cancerígenas quer células estaminais saudáveis. O resultado é a diminuição dos níveis de glóbulos vermelhos. Estes têm por função o transporte de oxigénio dos pulmões aos outros orgãos e tecidos do corpo, sendo o oxigénio necessário para a combustão das fontes de energia e sua distribuição aos vários órgãos.
A fadiga resulta muitas vezes da falta de oxigénio nos tecidos do organismo, mas pode também ser um efeito secundário da doença oncológica. A fadiga é a queixa mais frequentemente referida pelos doentes oncológicos e pode ter um efeito marcado no seu bem-estar. Mesmo as actividades diárias mais comuns podem ser extenuantes.
A anemia pode ser actualmente tratada com eritropoietina (EPO), uma hormona sintética que estimula a formação de novos glóbulos vermelhos.
Para além disto, o aconselhamento comportamental é da maior importância no combate à fadiga, como por exemplo:
  • Ouça o seu próprio corpo. Não se obrigue a algo que não é capaz de realizar nesse preciso momento. Relegue-o para outra altura;
  • Não hesite em deitar-se durante o dia para descansar;
  • Não se preocupe com tarefas domésticas e peça ajuda.
Infecções
Tal como acontece com os glóbulos vermelhos, a formação de glóbulos brancos é também suprimida pela infiltração de plasmócitos malignos a nível da medula óssea, bem como pela terapêutica prescrita. Os glóbulos brancos actuam defendendo o organismo contra bactérias e vírus. A redução do número de glóbulos brancos (neutropenia) aumenta a susceptibilidade do organismo às infecções. Estas infecções podem pôr em risco a vida devido à debilitação acentuada do organismo, motivada quer pela doença em si, quer pelos efeitos da terapêutica.
Devem ser tomadas certas precauções de modo a evitar eventuais situações de contágio:
  • Evite o contacto com pessoas que estejam doentes;
  • Evite locais frequentados por muita gente, como estações de transportes em hora de ponta, centros comerciais, hipermercados, etc...;
  • Tome atenção ao que come: evite alimentos crus (como vegetais, enchidos, fiambre, patê, queijos e fruta de casca fina) e frutos secos.
Náuseas, Vómitos e Falta de Apetite
A maioria dos fármacos usados como quimioterapia têm como efeitos secundários náuseas e vómitos o que pode afectar o seu bem estar e qualidade de vida.
O seu médico utilizará todos os recursos disponíveis para prevenir que vomite. Com este propósito, existe uma grande variedade de fármacos anti-eméticos à sua disposição.
Tire vantagem dos momentos em que se sente bem e com fome. O seu organismo necessita de toda a energia que consiga armazenar, por isso, coma pequenas refeições, repartidas e de elevado teor calórico.
Dor
A dor óssea é muitas vezes a primeira queixa em doentes com mieloma múltiplo. Esta deve-se à infiltração e crescimento de células malignas na medula óssea. Adicionalmente pode surgir por outros motivos, tais como: dor por compressão da medula espinhal, fracturas patológicas e diminuição da densidade óssea (osteopenia).
Os avanços no tratamento da dor têm resultado numa grande variedade de opções eficazes e seguras para o controlo da dor. Caso um determinado fármaco não ofereça alívio, existem outras alternativas. O tratamento da dor será adaptado às suas necessidades, não sendo necessário suportar qualquer dor. Lembre-se sempre que a dor deve ser tratada sob a supervisão do seu médico.
Para além da terapêutica farmacológica existem estratégias alternativas para o tratamento e alívio da dor, como a implantação de dispositivos electrónicos ou a ablação de vias nervosas específicas na medula espinhal. Também podem ser úteis: terapia de relaxamento, fisioterapia e o uso de coletes para suporte da coluna vertebral em caso de fracturas vertebrais não operáveis.
Doença óssea
As células malignas de mieloma múltiplo interferem com os normais processos de remodelação óssea, o que origina ossos frágeis, susceptíveis a fracturas espontâneas, ditas patológicas. A hipercalcémia, como resultado da destruição excessiva do osso, induz náuseas, vómitos, cansaço e desorientação.
Os bifosfonatos reduzem significativamente a dor óssea e o risco de fracturas espontâneas ao prevenirem a destruição óssea. Caso ocorra uma fractura pode ser necessária a intervenção cirúrgica.
Instabilidade emocional
O confronto com o facto de que sofre de uma doença maligna e que esta coloca a sua vida em risco, pode reflectir-se no seu bem-estar psicológico e emocional. Sentimentos de ansiedade, raiva e depressão são muito comuns em doentes oncológicos.
Viver com uma doença maligna é um desafio. É necessário aprender a lidar com a doença, tratamentos, alteração das rotinas diárias e alteração da qualidade de vida. Deve procurar apoio psicológico caso sinta que não consegue lidar com a situação. Não hesite em pedir ajuda. Fale sobre o que sente com o seu médico, os seus familiares ou mesmo doentes em idênticas circunstâncias.
 

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